Excerto da Quinzena
Do bolso do colete retirou o relógio de ouro e confirmou as horas. Não queria correr o risco de se desencontrar com Eça de Queiroz: era por ele que ali se achava. Havia poucos dias, depois de regressar de uma temporada em Londres onde tivera a honra e o privilégio de ter assistido ao funeral do insigne escritor Charles Dickens, estava a comer uma torrada no Café Martinho, em Lisboa, e ali esbarrara com dois camaradas, Antero de Quental e Ramalho Ortigão, da boca de quem ficou a saber que o amigo escritor, por causa do seu administrativo exílio e eremítica vivência na cidade de Leiria, se encontrava deveras agastado: sentia-se só, enfastiado, sem um livro, uma conversa, sequer aquele mundano e frívolo burburinho dos cafés e restaurantes que tanto estimava. Num impulso, o touriste decidira-se a partir de imediato, aproveitando que a sua quinta de Saragoça, em Sintra, andava assoberbada por obras morosas; pretendia assim fazer-lhe uma bela e salvífica supresa, pela qual o comparsa não estaria à espera.
Paulo Moreiras, Leiria (edição bilingue)
P. S. Para a semana vou estar de férias, regresso ao blog no dia 30.