Excerto da Quinzena
Eva, chama-se Eva, tem menos quatro anos do que eu, e foi sempre o exato oposto de mim: muito expansiva, divertia-se se tinha de passar o fim de semana nalgum dos restaurantes do meu pai, a correr entre as mesas e a brincar às empregadas. Quando o meu pai se matou, a Eva fechou-se em si mesma, passou a falar pouco ou nada, desenhava o tempo todo; era a sua forma de dizer o que queria dizer, que eu não sei o que era nem me importa muito. A minha mãe foi criada por dois tios, e sempre me pareceu curioso que antes do suicídio a minha irmã fosse tão parecida com o tio, o Chico, e depois se transformasse num decalque da tia Soledad, mas que nome tão bem dado. A Eva sempre funcionou por imitação: reproduzindo a atitude que lhe proporcionasse uma maior segurança. Não sei se lhe falta personalidade: é minha irmã, mas não a conheço lá muito bem. A sua vida nunca me interessou, nem na altura nem agora. Posso dizer-te que mal nos damos. No caso da Eva, a mudança de atitude foi de facto uma consequência da história do meu pai, parece-me. No meu caso, não. Eu já era assim.
Elena Medel, As Maravilhas, tardução de Vasco Gato