Excerto da Quinzena
[…] a ocasião parecia assemelhar‑se ao «dar uma vista de olhos» que antecede um leilão muito publicitado e que entusiasma ou refreia, consoante os casos, o sonho de aquisição. O sonho de aquisição em Weatherend era mais do que improvável e, atendendo a isso, John Marcher deu por si tão desconcertado pela presença dos que sabiam demasiado como pela dos que não sabiam absolutamente nada. A sensação de peso que lhe causava toda a poesia e a história que impregnavam aqueles salões levaram‑no a afastar‑se para poder senti‑las de forma adequada, embora este impulso não se assemelhasse em nada à sofreguidão de alguns dos seus companheiros, que mais pareciam cães a farejar um aparador. Isto levou‑o rapidamente numa direção que não poderia, de forma alguma, ter previsto. Em resumo, levou‑o, no decurso daquela tarde de outubro, ao encontro de May Bartram, cujo rosto, uma evocação que não era ainda uma memória, uma vez que tinham ficado muito longe um do outro na enorme mesa do almoço, começara por perturbá‑lo vagamente de uma forma bastante agradável. Atingia‑o como se fosse a continuação de algo de que perdera o início. Ele conhecia aquele rosto, e acolhia‑o por enquanto com prazer, como se fosse a continuação de qualquer coisa, mas não sabia o que ele continuava, o que se tornava tão mais interessante ou divertido quanto pressentia igualmente – e sem qualquer sinal da parte dela – que a jovem não perdera o fio dessa meada. Não o perdera, porém não lho entregaria, percebeu, sem que ele avançasse primeiro a mão para o agarrar; e percebeu várias outras coisas, coisas bastante estranhas à luz do facto de que, quando o acaso os levou, no meio daquele grupo, a encontrarem‑se cara a cara, ele se debatia ainda com a ideia de que qualquer contacto anterior entre ambos não teria tido importância de maior. […]
Henry James, A Fera na Selva, trad. Ana Maria Pereirinha, Publicações Dom Quixote