Excerto da Quinzena
Aos vinte e dois anos [Janet Frame] deu entrada num hospital psiquiátrico; entrou voluntariamente, mas mantiveram-na ali à força. Foi diagnosticada erradamente como esquizofrénica e aplicaram-lhe electrochoques. Isto foi no fim dos anos quarenta, de modo que receio que também não tenham usado relaxantes ou anestesia. E assim foi passando o tempo, entre o tormento dos electrochoques e o atordoamento dos fármacos, até a deixarem sair em 1954. Tinha passado oito anos lá dentro. Pouco antes de sair da clínica, aconteceu o milagre que quero contar. Os médicos tinham decidido fazer-lhe uma lobotomia, um tratamento selvagem muito em voga nessa altura, que consistia em cortar uma parte do cérebro (isto, felizmente, já não se faz). A entrada de Frame na sala de operações estava iminente quando, uma tarde, o Dr. Blake Palmer, director do hospital, fez uma visita insólita ao pavilhão onde Janet estava internada. Além disso, «para assombro de todos», foi direito a ela: «Decidi que você deve continuar como está. Não quero que mude. Viu as notícias de última hora do Star desta tarde?», perguntou-lhe, abrindo o jornal que trazia debaixo do braço. É evidente que Frame não o tinha visto: naquela área do hospital a leitura não era permitida. «Você ganhou o Prémio Hubert Church para o melhor trabalho em prosa. Pelo seu livro The Lagoon. A colection of short stories.» Era um volume de contos, o primeiro que a escritora publicara. Janet ficou maravilhada: «A sério?» «Sim», respondeu Palmer. «Vamos tirá-la deste pavilhão. E nada de lobotomia.»
Rosa Montero, O Perigo de Estar no Meu Perfeito Juízo