Excerto da Quinzena
[...] Ao puxar, com um pouco mais de força que o necessário, a lâmina pulou em sua perna provocando um corte acima do tornozelo. E naquele fundo de sertão, sem socorro médico ou antibiótico, em menos de uma semana o ferimento infeccionado evoluiu para uma gangrena implacável e a jovem vida foi embora aos dezanove anos.
Quarenta e um dias depois de entregar o segundo filho à sepultura, meu avô morreu de desgosto, o coração não aguentou o baque de tanto luto. Foi assim que me contaram, muitas e muitas vezes, principalmente minha mãe, em ato de exorcizar a dor que nunca a abandonou. Às vezes, ao me contar de novo a história, seus olhos se enchiam de lágrimas e no meio dos lamentos reclamava: «Seu avô poderia ter enganado a morte, meu filho, pelo menos por mais vinte e três dias, o tempo justo para te ver nascer e, quem sabe, ganhar motivo para viver mais.»
Após meu nascimento, minha avó Rosária sobreviveu mais três anos, dois meses e sete dias, até que o desgosto também a levou em uma noite fria de junho. Mas, enquanto teve vida, não passava um dia sequer sem pedir para ser chamada também. Sempre gostei de imaginar que era real o que minha mãe contava sobre meu nascimento, do raio de luz de alegria na alma de minha avó, motivo de adiar um pouco sua partida.
Consumados todos os atos da tragédia, a foice da morte apaziguada, meus pais receberam a incumbência de tomar conta da propriedade.
Celso Costa, A Arte de Driblar Destinos, Prémio LeYa 2022