Fora de tempo
Nestes dias que correm, sinto-me cada vez mais ultrapassada e fora de cenário, em vésperas de arrumar as botas e, como Herculano, retirar-me para um ermo qualquer. Enquanto há cada vez menos gente a ler, as discussões nas redes sociais tornam-se de uma esterilidade confrangedora – e ainda por cima carregadas de ódio – quando os problemas realmente graves continuam todos por resolver (além da fome, da precariedade e do desemprego, por exemplo, os refugiados do campo de Moria que Portugal disse que receberia continuam lá, e a dormir no chão). Enfim, sinto que tudo está a ser dominado de forma completamente cretina pelo politicamente correcto; e, se é óbvio que as situações de injustiça e desigualdade devem ser combatidas, chegou-se agora a excessos difíceis de aceitar. Recebi esta semana, de uma agente literária, a proposta de um livro que está ainda a ser escrito, mas pelo qual uma editora de nomeada nos Estados Unidos já avançou uma enorme quantidade de dólares. A agente está super-entusiasmada com a originalidade e diz-se convencida de que vai ser um êxito em todo o mundo. Fiquei curiosa o bastante para passar à sinopse, mas fui ficando de cara à banda à medida que a lia. O tema? Pois bem, mais ou menos isto: a tinta branca é racista. Pintar as nossas casas de branco não é inocente nem está isolado da supremacia branca. (Não sei como os arquitectos vão lidar com isto, mas estão tramados.) Para dizer a verdade, ainda pensei que fosse um livro humorístico, mas, lendo o texto até ao fim, percebi que não é uma piada, que pretende mesmo ser sério. Devo ser então eu que estou já fora de tempo e de jogo e acho isto estúpido e perigoso, porque alimenta conflitos onde não os havia (e já chegam os reais, ou não?). E, como adoro luz e tenho, por acaso, a minha casa toda pintadinha de branco, o melhor é preparar-me para ser considerada uma racista insuportável. Não tarda muito ainda vão desaconselhar o leite, diz uma colega minha. Adeus, futuro.