Humor e narcisismo
Apesar de andar nisto da edição há mais de trinta anos, verifico de repente que publiquei pouquíssimos livros com a tónica do humor (nos últimos anos, apenas O Intrínseco de Manolo, de João Rebocho Pais, e uma reedição de A Demanda de D. Fuas Bragatela, de Paulo Moreiras, que é um romance pícaro). Em Portugal somos extremamente rápidos a inventar anedotas acerca de qualquer acontecimento, mas não somos especialmente vocacionados para literatura humorística – isto, claro, nos tempos mais recentes, pois já houve muitíssimos escritores de outros séculos de finíssimo humor. Vem isto a propósito do romance «policial» de um escritor francês chamado Laurent Binet e publicado pela Quetzal (agora ponho o nome da editora para ver se não me acusam outra vez de o omitir de propósito) – A Sétima Função da Linguagem, que parodia o meio literário e intelectual (no caso, o francês, mas há muitas coisas decerto universais quando se trata do ego dos escritores), usando o formato de uma investigação criminal. Ainda não li, mas tenho, obviamente, uma grande curiosidade, porque a revista L’Express designa o romance como «o mais insolente do ano» e o jornal Libération afirma que ele poderia ter sido escrito por um Houellebecq bem-disposto. Já li páginas muito boas sobre este mundo literário, por exemplo, em O Mundo, de Juan José Millás, e Dublinesca, de Vila-Matas. Mas, mesmo que a literatura francesa tenha vindo a decair com o tempo, a obra de Laurent Binet não me escapará.