Imposturas literárias
Reproduzo quase na íntegra uma história engraçada que li no blogue ou no mural de Facebook de Francisco Seixas da Costa, aonde vale quase sempre a pena ir (e o «quase» é capaz de estar a mais). Talvez os mais novos leitores do blogue não o conheçam, mas para muitas gerações, havia um poema que as famílias recitavam, que toda a gente sabia de cor e que aparecia nas selectas literárias da antiga quarta classe ao longo de décadas: tratava-se de Balada da Neve, de Augusto Gil, e o seu início rezava assim: «Batem leve, levemente, / Como quem chama por mim. / Será chuva? Será gente? / Gente não é certamente / E a chuva não bate assim.» Estava Seixas da Costa a falar justamente deste poema quando passou por ele o poeta Nuno Júdice, a quem logo comunicou estar, por coincidência, a falar de um seu confrade. Depois de saber de quem se tratava, Júdice comentou que tinha sido enganado por Augusto Gil. Mas, não sendo poetas contemporâneos (Gil morreu em 1929), Seixas da Costa quis investigar a razão de tal comentário. E Nuno Júdice explicou-lhe que, sendo algarvio, nunca tinha visto neve, mas que, já adulto, quando teve a experiência do primeiro nevão, constatou que a neve não batia coisa nenhuma, que não há nada mais silencioso… A poesia, enfim, tem direito a mentir.