Jogo de palavras
Como em tudo na vida, é preciso saber onde aperta o sapato, mas parece que tomei o gosto a estas brincadeiras, e hoje permito-me explorar o vestuário na língua portuguesa, que é tudo menos um espartilho – na verdade dá pano para mangas – quando uma pessoa percebe como descalçar a bota. Pois bem, agora que andamos todos de tanga, que fazem de nós gato-sapato e não temos outro remédio senão apertar o cinto no último furo, há por aí uns senhores que cometem crimes de colarinho branco a quem nada de grave acontece: o pé-de-meia que têm chega-lhes para o resto da vida – e isso é uma pedra no nosso sapato. Mas de nada serve cortarmos-lhes na casaca, porque, mesmo metidos numa camisa de onze varas ou num colete-de-forças, é provável que não sejam sequer julgados (ou que alguém tenha recebido luvas para os safar, sei lá, ajudando-os a sacudir a água do capote). Nós, pelo contrário, que não enfiamos a carapuça por pecadilhos deste teor, andamos todos de calças na mão, quando não a apanhar bonés, e vemo-nos todos os dias obrigados a arregaçar as mangas para nos sustentarmos se não queremos bater a bota cedo demais. Se perguntam se acho isto justo, pois dir-vos-ei que essa é quase uma pergunta de algibeira, obviamente não bate a bota com a perdigota ver um criminoso ser tratado com punhos de renda ou luva branca (mesmo sendo eu bota-de-elástico); mas infelizmente há por aí muito lambe-botas a quem a corrupção assenta como uma luva e que, depois de uma boa combinação, é capaz de pregar barretes à direita e à esquerda em defesa destes senhores (senhores, qual carapuça!); alguns até viraram a casaca e agora vestem a camisola por eles, conseguindo meter em seu lugar na cadeia apenas um dos seus mangas-de-alpaca, num golpe de se lhes tirar o chapéu. Enfim, não podendo eu dar-lhes as mil sapatadas que merecem, resta-me ir ler um livro de bolso para me distrair destas ignomínias; quem não goste de ler pode também dançar sapateado, ou apanhar uma touca para se alienar, ou perseguir o primeiro rabo de saias que encontrar, retirar-lhe o cinto de castidade e... divertir-se, em suma (usando camisa de vénus, claro). Bem, isto hoje ia dando bota... Mas, se não gostaram, olhem, chapéu!
P.S. Escrevi este post há mais de uma semana, na verdade, e parece irónico que ele seja publicado hoje. Contudo, quero dizer que estava a pensar nos «banqueiros» quando o escrevi.