Lisboa, 1921
Publiquei recentemente um romance extenso no qual cabe um ano inteirinho: 1921 (o ano mais violento da história de Lisboa). Chama-se Veio depois a Noite Infame e assina-o Margarida Palma, que já antes compusera um romance sobre o Regicídio, intitulado A Morte do Rei. Esta obra mais recente conta-nos a história dos habitantes de uma praça lisboeta (a Praça Duque de Saldanha), especialmente a de uma família tradicional que reside numa vivenda que ainda ali sobra no meio dos edifícios horríveis que lá construíram depois, e também a dos moradores do prédio contíguo, entre os quais se contam um monárquico muito cómico, um casal de refugiados russos fugidos da revolução de 1917 e ainda uma actriz famosa, adorada e criticada em doses iguais, que recebe em casa numerosas visitas que vamos conhecendo ao longo do romance. Com um toque de Jane Austen (nas intrigas e nos mal-entendidos), muito informado sobre este ano específico que culminou com a Noite da Infâmia (em que uma carreta de milicianos foi buscar uma série de políticos ilustres às suas casas e os matou sem dó nem piedade), este é um livro que nos ensina muito sobre as convulsões da República, a devoção à Nossa Senhora de Fátima, os horrores da Primeira Guerra Mundial ou o fim da aristocracia russa. Mas é também uma história de vizinhos diferentes que nem sempre se relacionam com transparência, de vícios e virtudes, de oportunismos e males de amor. Com muito sentido de humor à mistura e um leque de personagens notáveis (a tia Fortunata sem papas na língua faria muita falta hoje na crítica aos políticos e às políticas), Veio depois a Noite Infame oferece-nos um enredo rico em episódios que nos deixam com água na boca até à última página.