Portugal e o Brasil fazem esforços para se manterem irmãos, mas as suas literaturas parecem-me francamente de costas voltadas. Embora muitos autores portugueses tenham os seus livros publicados do lado de lá do Atlântico, exceptuando aqueles que já são considerados consagrados ou os que se distinguiram em festivais nos quais a sua presença foi notada e aplaudida, a verdade é que estes se vendem muito pouco. E a situação inversa – os autores brasileiros cá publicados – também não tem grandes resultados, mesmo que se trate de autores interessantes como Daniel Galera, João Paulo Cuenca, Bernardo de Carvalho, Paulo Lins ou Luiz Ruffato. Talvez as duas autoras que venceram o Prémio Literário José Saramago (Adriana Lisboa e Andréa del Fuego) tenham tido mais sorte; ainda assim, as suas obras não tiveram nem metade da exposição mediática que mereceram as dos seus congéneres portugueses (Gonçalo M. Tavares, valter hugo mãe, José Luís Peixoto...). Não sei quando se deu a cisão, mas diz-me a minha mãe que, nos anos 1960, não era assim, e Jorge Amado era, de facto, tão amado lá como cá. Quando lemos os clássicos brasileiros, também não descortinamos qualquer diferença linguística em relação aos portugueses da mesma época – e aí pode ter residido o segredo do interesse mútuo ao longo de anos. Não será, pois, má ideia começar por aí e, nesse sentido, interessa dizer que a editora Glaciar, com a colaboração da Academia Brasileira de Letras, acaba de lançar em Portugal uma colecção de literatura brasileira de referência. Os primeiros quatro volumes dizem respeito à obra de Machado de Assis, João Cabral de Melo Neto, Euclides da Cunha e Alfredo Bosi – numa edição luxuosa, mas indispensável a quem queira pôr-se em dia com o lado de lá.
2 comentários
António Luiz Pacheco 02.12.2014
Hum... bem observado, em parte. Concordo quando diz que as pessoas vivem realidades diferentes, é a ecologia neste caso social ou cultural, mas que só explica uma parte não explica tudo, nem pode ser aplicada com tão largo espectro.
Também o exemplo do futebol não é o melhor, é que tanto no Brazil quanto em Portugal gosta-se de futebol! Não estamos a falar dos EUA, onde aliás este está em franca expansão!
Portanto parece-me que não é apenas a isso que se devem as não-vendas de autores portugueses, ou muitos produtos de ampla aceitação mundial - da Coca-Cola, à cerveja, passando pelos reallity shows - não teriam essa popularidade, uma vez que as tais realidades são diferentes... a despeito de haver a colagem que refere, é a globalização!
Se formos a ver há bem mais afinidades do que diferenças, entre nós e o Brazil. Continua a parecer-me que a maior causa é haver um afastamento entre intelectuais de ambos os países que se voltam as costas, sobressaindo uma nítida rejeição da cultura portuguesa por parte dos brazileiros, ou pior, quando da parte dos intelectuais portugueses se sente haver uma submissão à cultura brasileira que consideram superior.
Por outro lado, questiono se as escolhas feitas pelos intelectuais portugueses para representação da nossa cultura não serão muitas vezes indevidas? Na minha opinião, para ombrear com "O rastro do jaguar", só "Levante 1487 - a vã glória de João Álvares", e quem dentre os Extraordinários leu este romance de José Maria Pimentel? Para confrontar "A rainha do cine Roma", iriam escolher o confuso e depressivo, "O teu rosto será o último"? Porque quase sempre não fazem uma mostra do que é a realidade da nossa cultura e sim aquilo que alguns acham ser "cultura", logo apenas divulgam "os do clube", onde é que pára o Paulo Moreiras? Por exemplo... ou o Miguel Real? E Rentes de Carvalho? Se calhar mais valeria apostar no José Rodrigues dos Santos para popularizar a nossa literatura lá do outro lado, junto do povão!