Literatura russa
Esqueçamos por uns momentos que os russos invadiram a Ucrânia e não estão a fazer guerra limpa, atacando alvos civis e matando inocentes, entre os quais crianças. O assunto aqui é a literatura russa, e os escritores não têm culpa nenhuma dos desvarios do senhor Putin nem merecem que os deixemos de ler. Será provavelmente o caso de Ludmila Ulitskaya, já com dois títulos publicados entre nós pela Cavalo de Ferro, um dos quais creio ter tido em tempos uma edição na velhinha Campo das Letras. Mas, como ainda só li Sonetchka, falarei apenas deste para tirar, desde logo, uma conclusão: é que, apesar de Ludmila ter nascido nos anos 1940, ser uma escritora contemporânea, o seu romance tem o mesmo tom dos autores clássicos; ou seja: lêem-se duas páginas e vê-se logo que é um livro russo, ou não fossem as mulheres sempre designadas por diminutivos (Sonetchka é mais ou menos Soniazinha) e os homens com os seus apelidos (Robert Viktorovitch, o marido de Sonechka). É um livro sobre uma rapariga que gostava muito de ler, mas que deixa de ter tempo de o fazer quando se casa com um pintor mais velho (que passara um tempo num campo de trabalho depois da Segunda Guerra) e é mãe de Tania, acumulando dois empregos para garantir uma casa e alimento à família e permitir que o marido dê asas à sua veia artística. E que acha ter encontrado a felicidade até ao dia em que... Não, não posso contar, a única coisa que avançarei é que no dia mais triste da sua vida Sonetchka vai à estante ler Pushkin, palavras que amenizam o horror. Apesar de nem sempre ter gostado muito da tradução, depois de ler outras tantas coisas que me aguardam, tenho de procurar Medeia e os Seus Filhos, da mesma autora.