Microcosmos
Lembro-me de este romance ser um dos preferidos de um autor que publiquei há vinte anos, António Manuel Venda, que mo recomendou na altura; porém, apesar disso e do facto de quem o escreveu, Camilo José Cela, ter ganho o Prémio Nobel da Literatura, só este Verão lhe deitei a mão. Embora a tradução não seja famosa (revelando uma ignorância do idioma de origem algo estranha, já que as notas mostram que o tradutor tem um nível cultural acima da média), vale muito a pena ler A Colmeia, até porque é um livro sem protagonistas, o que é muito raro, tendo certamente mais de uma centena de personagens, que aparecem numa cidade que é uma verdadeira colmeia – Madrid –, mais precisamente num café por onde passam poetas, putas novas e velhas, miseráveis, músicos, funcionários, enfim, toda a espécie de gente, no período em que a Europa está em guerra, e os espanhóis, ainda que fora dela, vivem ainda as sequelas da guerra civil, que deixou o país devastado e entregue a uma pobreza confrangedora. Embora Camilo José Cela tenha combatido em jovem ao lado dos franquistas, este livro, do início dos anos 1950, foi censurado e publicado originalmente na Argentina, dada seguramente a imagem negativa que dá da Espanha esfomeada deste período. Muito interessante como ideia de um retrato colectivo sem heróis, um pouco datado, é certo, deve de qualquer modo ler-se este romance, que é dos mais conhecidos do autor.