Moral e dinheiro
Escrevi há tempos aqui no blogue um post sobre o facto de a editora norte-americana da biografia de Philip Roth ter suspendido as vendas e retirado os exemplares do mercado por causa de o seu autor, Blake Bailey, ter sido acusado de ter assediado sexualmente raparigas que tinham sido suas alunas cerca de trinta anos antes. Não foi o único livro a sofrer o mesmo destino (vejam o que aconteceu com o livro de Woody Allen quando a editora desistiu da publicação depois de ter assinado um contrato e até pago um adiantamento chorudo pelo livro). Já aqui comentámos a diferença entre a obra e o autor, defendendo que não podemos confundir as duas coisas e que os leitores não deveriam ser privados da biografia de Roth (os portugueses não o serão) por factos que dizem respeito à vida do seu autor. Mas, segundo um artigo do Público não assinado, concluo que a razão para a retenção dos exemplares nos armazéns da editora não foi, afinal, como aqui pensámos, moral, nem um gesto de solidariedade para com as supostas vítimas de Blake Bailey. A questão é, segundo uma especialista, puramente financeira: a editora não quer ter de pagar balúrdios por veicular uma obra que, de certa forma, possa ofender a moral puritana da América (sim, os ofendidos podem processar a editora por publicar um livro que relate os comportamentos «imorais» de Roth com base no argumento de que estes podem constituir maus exemplos para os mais jovens e levar à repetição de comportamentos). Ao que parece, os autores norte-americanos são hoje obrigados a assinar cláusulas de moralidade muito abrangentes nos contratos com as editoras que, segundo o PEN e outras organizações do mesmo tipo, lhes limitam enormemente a liberdade de expressão e implicam até a devolução dos adiantamentos se o escritor for acusado de algum comportamento indigno nas redes sociais, mesmo que por uma única pessoa, pois isso basta para o livro deixar de se vender e causar um enorme prejuízo à editora. Mesmo nos países moralistas, é sempre o dinheiro a mandar.