Morder e ladrar
O meu primeiro livro do ano só sai hoje, e tudo por causa do «confinamento» das livrarias. Perdeu-se a vinda da autora às Correntes d'Escritas, mas espera-se que as pessoas não percam o livro, especialmente numa altura em que tantos casais substituem os filhos por animais de estimação e muita gente diz que, quanto mais conhece as pessoas, mais gosta dos animais... Na costa da Colômbia virada ao Pacífico – num lugar onde a paisagem luxuriante contrasta com uma pobreza extrema e o homem é uma migalhinha diante da força dos elementos – vive Damaris, uma negra com cerca de 40 anos que toda a vida quis ser mãe. A sua relação com o marido tornou-se, aliás, fria e turbulenta à medida que o casal foi sacrificando tudo o que tinha à obsessão de Damaris e, apesar disso, ela nunca conseguiu engravidar. Mas a vida desta mulher frustrada parece encontrar uma réstia de esperança no dia em que adopta a última cadelinha de uma ninhada. Só que, tal como os filhos nem sempre correspondem às ambições que os pais têm para eles, Chirli também não será a cadela com que a dona sonhou. A Cadela é uma novela brilhante sobre a maternidade, a traição, a lealdade, a culpa, e também sobre a relação enigmática e por vezes excessiva entre os donos e os seus animais. Chegou à final do National Book Award nos EUA em 2020, na categoria e literatura traduzida, e a sua autora ganhou há poucos meses o Prémio Alfaguara com Los Abismos.