Morrer só
Na minha família, uma avó e uma tia morreram sós e foram encontradas já sem vida. Penso sempre que deve ser terrível para alguém sair do mundo sem o conforto de uma outra mão ou uma palavra calorosa de alguém próximo; mas talvez seja lirismo da minha parte. Num livro que já deve ter perto de cinquenta anos (A Morte de Um Apicultor, do sueco Lars Gustafsson), o protagonista, ao sentir as primeiras bicadas da morte, escolhe ficar só; na verdade, ao receber a carta do hospital com o resultado dos exames laboratoriais (não tem telefone, mas vive no campo e nos anos setenta isso era mais ou menos comum), rasga-a e prefere ficar a recuperar ou piorar da sua doença a saber o que tem e tratar-se num centro de saúde onde (lá como cá) as pessoas têm de ir de madrugada para serem atendidas. Vivendo com a eterna dúvida, faz a vida que sempre fez desde que se reformou (era professor primário mas, lá como cá, as escolas fecham e os meninos são mandados de autocarro para a única escola que resiste, a muitos quilómetros dali), que é cuidar das colmeias e recordar o passado: da infância bastante pobre (este homem sempre viveu com os mínimos) aos últimos anos do casamento, passando pelos tempos da universidade e os namoros inconsequentes. Um retrato impiedoso de um país que parece muito o que não é num romance magistral há muito publicado em Portugal numa colecção que fez as minhas delícias, a Pequenos Prazeres da ASA.