Mudar
Nat, uma tradutora free-lancer, resolve mudar-se para uma aldeia chamada La Escapa, pensando assim poder viver melhor com o dinheiro que ganha. Estranha, claro, o isolamento e os habitantes um pouco brutos, o silêncio e a dureza do senhorio que, na verdade, lhe arrenda uma casa a cair aos bocados e não quer fazer reformas nem pagar os arranjos. Mas estranha sobretudo o preconceito, pois ninguém percebe o que faz sozinha uma mulher como Nat num meio rural que é visivelmente atrasado e onde nada se passa. Mesmo o cão, que Nat arranja para não se sentir tão só, é arisco, avesso a festas e demasiado difícil de dobrar. E um dos seus vizinhos, a quem chamam «o alemão» e que foi ele próprio também um forasteiro, além de tratar da horta e vender legumes, faz a Nat uma proposta que só não é absurdamente indecorosa porque é feita aparentemente com o maior decoro. É este o argumento muito resumido de Um Amor, da espanhola Sara Mesa, livro que, se calhar, merecia uma tradução um bocadinho menos colada ao castelhano e que, apesar de ter sido considerado um dos melhores livros de 2020 no país aqui ao lado, é menos interessante do que eu esperava (mas quem me mandou criar expectativas sem conhecer a autora? Pode ser só uma embirração minha com a escolha do presente como tempo da narração). Se quiserem, o romance é também um excelente retrato da interioridade (falo da interioridade de um país, mas podia falar igualmente da das suas personagens) e vale pelas surpresas do enredo em que a protagonista se vai sempre confrontando com as suas próprias acções e a moral e vai tendo cada vez mais dificuldade em exercer o seu ofício, que é traduzir.