Neo-rural, mítico, mágico
Na hora de fazer balanços e olhar para o ano que findava, muitos dos nossos meios de comunicação, chamados a eleger os melhores livros de ficção publicados em 2024, não passaram por cima de Caruncho, de Layla Martínez (já aqui falei desse pequeno romance ultra-elogiado por autoras de peso como Alana Portero ou Mariana Enríquez), nem de Eu Canto e a Montanha Dança, da escritora catalã Irene Solà, vencedor do Prémio da União Europeia para a a Literatura e, entre outros, do prestigiado Prémio Anagrama em Espanha. Este último só pude lê-lo agora de fio a pavio, embora já o tivesse em fila de espera há uns tempos, mas é tão atípico que me custou entrar nele na altura em que o comprei porque tinha a cabeça demasiado ocupada com problemas para conseguir concentrar-me no seu estilo torrencial. Agora voltei ao início com outra calma; e, não tendo muito que ver com a história de Carunho, muito mais destrinçável, o ambiente rural é o mesmo, e são os mesmos uma certa voracidade no acto de contar e um lado visceral que se parece com a raiva com que por vezes a natureza resolve dar-nos uma tareia. Passado nos Pirenéus, Eu Canto e a Montanha Dança tem vários narradores (pessoas, algumas bruxas, e coisas) e, apresentando as personagens em vários capítulos não claramente sequenciais, é simultaneamente bruto e poético, juntando tradições de literatura rural com episódios que poderiam ter saído de romances do realismo mágico latino-americano. Obra de fôlego, foi traduzida em mais de vinte línguas. A tradução do catalão é de Rita Custódio e Àlex Tarradellas.