O bósnio irreverente
Disse-vos anteontem que iria falar-vos de um autor bósnio, o escritor Velibor Čolić, recentemente dado a conhecer cá em Portugal através de O Livro das Despedidas, o seu primeiro livro escrito originalmente em francês. A França é, de resto, o lugar onde o autor se refugiou depois de ter desertado da guerra da Bósnia, depois de ter sido feito prisioneiro e depois de ter fugido da cadeia, apesar de pesar cento e tal quilos. Tal como ele diz, os editores chamam romance ao que escreveu, mas é só para vender melhor, porque não se trata de um romance. E tem razão, claro, o seu livro é sobre a sua vida, contada sem reservas, com muito álcool à mistura, com sexo, com todas as enormes dificuldades que sente um refugiado político em integrar-se num país novo, um país onde os que vêm de fora são olhados de lado e frequentemente maltratados. Mas talvez aqui a história de todas estas vicissitudes (atenção: o relato é tudo menos um «choradinho» porque este senhor não tem papas na língua e é tão bom a fazer crítica como autocrítica) nem seja o mais importante; o que este livro tem é uma linguagem avassaladoramente inventiva que me fez pensar que em todas as páginas há frases que eu gostaria de coleccionar. E, tratando-se de alguém para quem o francês é a língua do exílio, e não a sua própria língua, dá que pensar como consegue o nosso bósnio escrever tão maravilhosamente. Aconselho mesmo. Em algumas parte fez-me lembrar o filme Eu, Daniel Blake, não sei bem porquê. Mas mais cínico, mais autêntico e menos condescendente. Há bastante tempo que um livro de um autor desconhecido não mexia tanto comigo.