O (des)acordo
Oiço habitualmente e há muitos anos a TSF no rádio do carro e, às vezes, quando não estou para aí virada, também a Antena 2 e a Smooth FM. Conheço um mar de gente que delira com o programa da manhã da Comercial, mas, sei lá porquê, nunca me habituei a ouvi-lo. E, todavia, leio por aí as letras que Vasco Palmeirim inventa a propósito de tudo e de nada (mas sempre a propósito), com sentido de humor, para que o dia de muitos comece com umas gargalhadas. A última que me passaram foi, pelos vistos, estreada no dia em que se tornou obrigatório o Acordo Ortográfico (ou seria melhor chamar-lhe Desacordo, para não lhe chamar Desortográfico?); e, mesmo que não seja das melhores, tem uma verdade intrínseca: com ou sem o AO, muita gente dá erros (eu decerto também). Pode ser que os Extraordinários se divirtam (com a música, garanto, tem mais graça), se bem que o caso é sério. Com sua licença, Vasco Palmeirim:
Às vezes oiço cada coisa e não fico ok;
Às vezes leio português que não está bem;
Ninguém faz de propósito, eu sei,
Mas acontece tantas vezes - ai Jesus, minha mãe. (2X)
Sei que às vezes eu pareço zangado,
Mas isto faz-me ficar preocupado.
Não quero ver nossa língua neste estado,
O Português anda a ser tão maltratado
Quando há faltas para amarelo,
entradas de pé de riste,
gente que em vez de "estiveste"
Pergunta "onde é que tu estives-te?"
Às vezes é deixar o hífen bem sossegado
E não pôr uma vírgula entre sujeito e predicado.
Eu não sou perfeito, não sou uma Edite Estrela.
Mas sei que não se pede uma "sande de mortandela".
Passam horas, dias, choro: fico muito triste
Quando "houveram novidades", porque isso não existe;
São raros os casos de plural do verbo “haver”
E são muitos os que compram um automóvel num stander
E isto não são histórias tipo "era uma vez",
Isto é o que se passa com o nosso português.
Às vezes oiço cada coisa e não fico ok;
Às vezes leio português que não está bem;
Ninguém faz de propósito, eu sei,
Mas acontece tantas vezes - ai jesus, minha mãe. (2X)
Se eu tivesse poderes, homens e mulheres
não diziam “quaisqueres” – eu sei
que é difícil distinguir o “à” do “há”
para onde é o acento? Qual deles leva o “h”? Ó mãe!
E acredita, rapaz, que toda a gente é capaz
De não escrever um “z” na palavra “ananás”
E era maravilha ver “você” sem cedilha
E que ninguém dissesse “há muitos anos atrás”.
Aquilo que eu quero, como tu muito bem vês,
Sendo bem sincero – eu quero bom português
E tenho a certeza de que toda a gente consegue
Se até JJ sabe dizer Lopetegui.
Às vezes oiço cada coisa e não fico ok;
Às vezes leio português que não está bem;
Ninguém faz de propósito, eu sei,
Mas acontece tantas vezes – ai Jesus, minha mãe. (2X)
Ohhhh... ai Jesus, minha mãe!...
“Há-des” – isto assim não está bem.
“Salchicha” – dito assim não está bem.
“Devia de haver” – isto assim não está bem.
E dizer “tu fizestes” também não está beeeeeem!
Às vezes oiço cada coisa e não fico ok;
Às vezes leio português que não está bem;
Ninguém faz de propósito, eu sei
Mas acontece tantas vezes – ai Jesus, minha mãe.