O espião e o embalsamador
Finalista do Prémio LeYa há uns meses, eis um livro que é um exercício de imaginação e que, assim mesmo, não desaproveita a matéria do real. O Dia em Que o Sol Se Apagou, de Nuno Gomes Garcia, recua ao reinado de João II e conta em simultâneo a história do seu espião – quase sempre disfarçado de mouro – Pêro da Covilhã (em demanda de segredos que permitam que os negócios do reino sejam o mais lucrativos possível para a coroa) e de um embalsamador albino, Salvador, que procura desesperadamente um par de olhos que devolvam a visão ao seu irmão morto (e embalsamado): Mil-Sóis, o menino de olhos de diamante que encandeava quem para ele se atrevia a olhar. Tanto Salvador como Pêro da Covilhã viajarão de Lisboa à Etiópia (não juntos), o segundo quase sempre enrolado com mulheres em bordéis, o primeiro mais discreto, mas com poderes para um dia apagar a luz de Portugal inteiro, fenómeno de que os Portugueses culparão, alternativamente, o inimigo espanhol e os judeus. Para a voltar a acender, talvez seja, porém, preciso que os olhos roubados de Mil-Sóis cheguem às terras do Preste João e sejam colocados na imagem de uma santa cega; ou que o menino embalsamado torne a ver com outros olhos, que até podem ser os da mulher de Pêro da Covilhã, paixão antiga do embalsamador. Muito rico em detalhes e absolutamente delirante, este romance inventa um improvável cataclismo para reescrever o período áureo da História de Portugal e responder a uma questão: É a Europa o lugar certo para que Portugal continue a existir?