O nada que é tudo
A ida ao Brasil correu bem; fora, claro, o cansaço, a falta de sono e confusão de horas, tanto mais que regressei no dia a seguir à mudança da hora em Portugal e isso gerou mesmo uma estranheza. Na Bahia, ouvi falar autores, folheei alguns livros, conheci poetas, mas, ironicamente, uma das coisas boas da viagem foi o romance de um escritor austríaco, Robert Seethaler, que levei para ler no avião, do tamanho ideal para «papar» numa viagem de oito horas (li 80 páginas à ida e o resto à vinda). Chama-se Uma Vida Inteira, e a grande proeza do autor é fazer de uma vida em que pouco acontece um livro absolutamente maravilhoso, embora muito triste. Uma Vida Inteira foi Livro do Ano na Alemanha e finalista do Man Booker International Prize, tendo sido traduzido em mais de trinta línguas e elogiado por grandes escritores do mundo, como Margaret Atwood ou Ian McEwan. Conta a vida de um homem que se cruza com alguns dos episódios mais importantes da história do século XX (combate na Segunda Guerra Mundial e fica alguns anos num campo de prisioneiros da União Soviética) e arrasta toda a sua vida um amor que mereceu e perdeu e foi talvez a única coisa positiva da sua existência. Em certas coisas, fez-me lembrar a solidão de Stoner e a paisagem de Oito Montanhas. É mesmo muito bonito.