A ida ao Brasil correu bem; fora, claro, o cansaço, a falta de sono e confusão de horas, tanto mais que regressei no dia a seguir à mudança da hora em Portugal e isso gerou mesmo uma estranheza. Na Bahia, ouvi falar autores, folheei alguns livros, conheci poetas, mas, ironicamente, uma das coisas boas da viagem foi o romance de um escritor austríaco, Robert Seethaler, que levei para ler no avião, do tamanho ideal para «papar» numa viagem de oito horas (li 80 páginas à ida e o resto à vinda). Chama-se Uma Vida Inteira, e a grande proeza do autor é fazer de uma vida em que pouco acontece um livro absolutamente maravilhoso, embora muito triste. Uma Vida Inteira foi Livro do Ano na Alemanha e finalista do Man Booker International Prize, tendo sido traduzido em mais de trinta línguas e elogiado por grandes escritores do mundo, como Margaret Atwood ou Ian McEwan. Conta a vida de um homem que se cruza com alguns dos episódios mais importantes da história do século XX (combate na Segunda Guerra Mundial e fica alguns anos num campo de prisioneiros da União Soviética) e arrasta toda a sua vida um amor que mereceu e perdeu e foi talvez a única coisa positiva da sua existência. Em certas coisas, fez-me lembrar a solidão de Stoner e a paisagem de Oito Montanhas. É mesmo muito bonito.
Desculpem retornar, mas esqueci mencionar que concorreram 409 originais! É questão de perguntar e saber se, pelo menos, os finalistas merecem vir a lume de publicação, já que o prémio maior em si... ardeu.
Já era de esperar, sinceramente. Se tivessem tido o trabalho de ler os 400 livros, com certeza que encontrariam alguns bons (ou pelo menos potenciais). Também se tivessem um júri mais heterogéneo, e não um bando de conservadores reacionários, provavelmente também as coisas seriam diferentes. Ah, e se fizessem ao obséquio de estar disponíveis para ‘gastar” os €100 000 do prémio, claro! Enfim, no mínimo, se isto fosse realmente uma coisa séria, o que não é, tinham respeito pelos autores e escritores que concorreram e emitiam um parecer mais fundamentado, mas como não há argumentos, ficam pela generalização que nada concretiza. Sem comentários.
Não sei se o autor recebe os 100.000 euros de uma vez, mas fica ligado contratualmente ao grupo durante dez anos, durante os quais não recebe direitos de autor, a fim de ir amortizando o valor do prémio. Pelos vistos, não se tem amortizado muito...
Preferia não responder a um Anónimo, mas cada um tem as suas razões. A sua questão é pertinente, mas presumo que a resposta que vou dar também é. Não se trata do valor monetário, embora para a editora 100.000 euros é muita "fruta" a sair da contabilidade. Em termos de percentagem do autor, se a calcularmos no mínimo em 10%, isso significaria que a tiragem teria de corresponder a vendas de 1.000.000 de euros! Não há editora que pense em compensação desta forma, tendo em conta os custos gráficos, de distribuição, publicidade, etc. Então o que conta? O prestígio! Um prémio deste valor tem de ser badalado, coloca necessariamente o grupo editorial nos jornais, revistas e televisões, ajuda à preponderância da marca e o logótipo entra no mercado com esse pressuposto. Se o premiado fica pendente de direitos durante 10 anos, vá lá ele importar-se com isso, quando o nome é publicitado desta forma e a conta bancária engrossa como barragem em épocas de chuva! De mais a mais, todo o concorrente deve saber à partida de todas estas condições. E, sinceramente, dos quatrocentos e tal concorrentes (se apenas enviaram um original), não haverá nenhum que contraria essa condição. Enfim... Sem saber ler nem escrever, todo o apostador do euromilhões julga receber dez mais esse valor!
O concorrente não sabe, à partida, dessas condições. Mas qual é o escritor que recusa um prémio destes e que prescinde de ver o seu livro editado como vencedor do LeYa, apenas por as condições, afinal, não serem aquilo que ele esperava?!
Além disso, pode ser muito incomodativo estar 10 anos ligado ao mesmo grupo editorial, mesmo sendo este o maior do país. E se, depois de ter ganho o Prémio LeYa, o escritor vê os seus próximos originais recusados, com o pretexto de não serem vendáveis (como já aconteceu)? Vê-se, ao mesmo tempo, impedido de oferecer os originais a outras editoras! Estar ligado contratualmente a uma editora, ou a um grupo editorial, durante muito tempo, costuma trazer mais desvantagens do que vantagens...
Lembre-se de que as aparências iludem! E nós só conhecemos a ponta do icebergue! O valor deste prémio é escandalosamente exagerado e não exequível, ponto final.
Bem, vejamos a alínea g) do artº 10º do regulamento, que mesmo agora fui consultar: "O contrato de edição será válido pelo prazo de 10 (dez) anos e renova-se automaticamente salvo se uma das partes o resolver, com motivo justificado, por escrito e com uma antecedência mínima de 60 dias relativamente ao termo final de cada período de validade em curso". O que é este contrato de edição? A alínea e) do mesmo artigo, explica: "O autor da obra vencedora compromete-se a subscrever, a simples solicitação da LeYa, um contrato de edição nos termos expostos neste regulamento e de acordo com o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, bem como todos os contratos e documentos necessários para a proteção dos direitos de exploração cedidos à LeYa". Vejamos o que diz a alínea a) no mesmo articulado: "A edição da obra premiada será efetuada pela LeYa, diretamente ou através de uma das editoras do Grupo, e distribuída em todos os países de língua portuguesa". Visto isto, caro Anónimo, o contrato de 10 anos vincula a obra premiada e, por conseguinte, os direitos de exclusividade, o que é justo. Agora explique-me uma coisa: Se uma editora lhe propuser entregar 100 mil euros pela exclusividade de publicação de uma obra sua, mormente sendo o Anónimo um "anónimo" escritor, sendo uma média de 10 mil por ano, recusaria? Quanto ao valor exagerado do prémio, não discordo consigo, embora uma parte vá para impostos. Mas saiba que este valor faz parte do marketing, de forma a tornar mais visível e noticiado tal concurso.