O perigo de ler
Ontem referi aqui um artista argentino que andava a distribuir livros pelas ruas e classificava como perigosa a sua missão. E de repente leio um texto do meu amigo Adolfo García Ortega – escritor e editor espanhol – e percebo que, apesar de Lemesoff estar a ser irónico, na verdade os livros comportam mesmo uma dose de risco, o perigo de ficarmos a saber o que nem sempre convém a outros que saibamos (e é isso que assusta os que querem à força destruir livros ou constroem listas de títulos a abater). Mas, porque não vale a pena dizer pelas minhas palavras o que Adolfo García Ortega diz na perfeição, limito-me a traduzir um parágrafo eloquente do seu belo texto:
«Os grandes escritores sempre souberam que os livros alteram a mente, condicionam a vida, inundam a imaginação e fomentam desejos. Que geram Quixotes, Bovarys e Alices. Transformam o leitor, muito ou pouco, mas transformam. Porque, em última instância, os livros desviam: desviam da origem e do destino, propõem um caminho diferente para se chegar a um lugar inesperado. Como Lewis Carroll diz pela boca do Gato de Cheshire em Alice no País das Maravilhas: “Chegarás sempre a algum lado se caminhares o suficiente.” Acredito na perversão que causam os Carroll, os Joyce, os Flaubert, os Cervantes, os Shakespeare. Porque todos, como donos de grandes truques, enfeitiçam e manipulam a alma crédula dos leitores. Com os livros, o leitor bebe a sua dose de veneno da literatura. Torna-se transgressor e impostor. Sente que pode alterar o inalterável. Sabe que tomará, mais cedo ou mais tarde, o caminho errado. Aprenderá o que ninguém sabe. Aproximar-se-á do mistério e da revelação. Os livros fermentam dentro dos leitores e depois enlouquecem-nos em segredo. Por isso o melhor conselho que conheço, como escritor, é este: Crianças de todo o mundo, não leiam! E, apesar disso, eu li.»