O poder da palavra
Não sei se sabem que Dulce Maria Cardoso é, desde há algum tempo, cronista da Visão; mas, se não sabiam, ide já a correr lê-la, porque as suas crónicas são deliciosas! Vejam lá que, numa das últimas, a escritora contava que, em miúda, desobedecendo à família e mentindo a pais e irmã, correu destemida para o mar da praia de S. Jorge, em Luanda, não sabendo nadar; e quase se afogava não fosse ter aparecido um tropa que a salvou das ondas que a arrastavam para longe, trazendo-a para o areal, onde ela se fartou de vomitar água salgada. O texto é muito vivo, e nele Dulce Maria Cardoso lamentava ter perdido o rasto do dito tropa, que durante algum tempo ainda convivera com a família agradecida em Luanda, mas de quem nada sabia desde 1975, quando voltara para Portugal na Ponte Aérea, facto que, de resto, inspiraria o seu romance O Retorno; não se lembrava sequer do seu nome, achando isso terrivelmente injusto para alguém responsável por lhe ter salvado a vida... Só que a palavra tem um poder incrível e às vezes chega muito longe. O «tropa» infelizmente já não está vivo, mas está vivíssima da costa uma sobrinha sua, que vive na Madeira e se lembra de o tio contar a história de uma menina chamada Dulce Maria que resgatara dos mares de Luanda... E, 47 anos depois, a história desta descoberta também acabou escrita na revista Visão, e Dulce Maria Cardoso já nunca mais se vai esquecer do nome do seu salvador.