O que ando a ler
Interrompo um livro (um dia destes falarei dele) para deitar mão a um pequeno volume de José Cardoso Pires, vendido com o jornal Público, chamado Histórias de Amor e composto por alguns contos e uma novela. Um livro, apetece dizer, no qual é proibido beijar. E porquê? Bem, porque pertence a uma pequena colecção de obras censuradas pela PIDE e vendidas justamente com os sublinhados todos da censura por que passou (não a azul, senão teriam de ter sido impressas a quatro cores, mas ainda assim com toda a indignação expressa com riscos e pontos de exclamação à margem). O veredicto relativo a Histórias de Amor diz que o livro é «imoral» e que nele «o aspecto sexual é revelado indecorosamente». Nos dias de hoje, a afirmação quase dá vontade de rir porque, ao acompanharmos o texto, vemos que são os beijos que saem todos sublinhados, mesmo em frases nas quais a rapariga diz que nunca beijou ninguém nem o fará antes do casamento... Avessos à ternura, estes agentes da censura não suportam lábios, coxas ou nádegas, suor ou saliva, seja em que contexto for, e também assinalam a linguagem que crêem menos própria, mas que, no caso, são termos como «camandro» ou «do catano» (se fosse do Caetano, estaria bem, claro), bastante inocentes ao pé do «Fogo!» que os adolescentes hoje despejam a torto e a direito pela boca. Mas, abstraindo os cortes, ou por causa deles, vale a pena conhecer este livrinho do escritor que viria a fazer coisas notáveis.