O que ando a ler
Ando a ler quase apaixonada, com muito medo de que chegue ao fim, o mais recente romance de José Luis Peixoto, de seu nome Galveias, que é, aliás, a terra natal do autor. Razão de sobra para que ele saiba do que fala, evidentemente, razão de sobra para que queira homenageá-la nas páginas deste seu romance maduro e fulgurante. Personagens verdadeiramente únicas – desde o Miau, o deficiente que cresceu e continua sendo um menino, até aos motoqueiros enamorados dos seus veículos, as putas que também são padeiras, o carteiro com segredos em África, a professora do Douro que diz palavrões ao lado da freira e, claro, os cães, que aqui desempenham papéis de luxo, quase de gente. Todos estes e mais alguns assistem, com comoção e de roupa interior, à coisa sem nome que atravessa a vila numa noite e faz chover um dilúvio, abre cratera grande e torna o sabor do pão sulfuroso a partir de então. Mas se calhar Galveias já estava carregada de infernos, porque cada um tem as suas trevas particulares, quase sempre mais escuras do que as do vizinho, mas lindas lindas na mão do escritor que atingiu aqui a maioridade. Por muito que alguns se irritem com o seu sucesso (a carne é fraca) ou, mais estúpido ainda, com piercings e tatuagens braços abaixo, por favor não vão atrás de cantigas de maldizer, Galveias é seguramente um dos melhores romances do ano, um caso sério na literatura portuguesa. Para vosso benefício, não o percam. Eu só tenho pena de que chegue ao fim.