O que ando a ler
Recentemente, pediram-me que escrevesse um texto de incentivo à leitura de Gil Vicente para alunos do 10.º ano. Ao que parece, os autores clássicos não convocam hoje grande simpatia por parte dos jovens (nem sequer Fernão Lopes, pelos vistos, que é um dos meus preferidos) talvez por terem um grau de dificuldade associado aos arcaísmos que inibem muitas vezes a leitura. Não quis, porém, escrever sem reler a peça que os alunos estudarão: Farsa de Inês Pereira, que até representei em menina no auditório da escola; e, como já nem sabia onde estava o meu Gil Vicente, aproveitei a versão digital gratuita, descarreguei-a e li-a num iPad (estou a adaptar-me aos tempos modernos, mas nem custou nada, são só 40 páginas). E que alegria assim que voltei a pôr os olhos no texto e a ouvir dentro da cabeça a língua do mestre! Os versos maravilhosos, às vezes divididos ao meio por duas personagens, marcando um ritmo acelerado e bem-disposto, a rima perfeita, tantas palavras gostosas de que nem me lembrava. E que reviravoltas surpreendentes, sempre a contrariar aquilo que esperávamos, quanta sabedoria e quanta coragem de dizer verdades incómodas (e sabemos que o dramaturgo trabalhava na Corte, mas não se ensaiava nada em cascar na Nobreza). Enfim, a experiência foi tão boa (são assim os clássicos) que agora ando a (re)ler Gil Vicente. Rápido, grátis e muito compensador.