O que ando a ler
Há muitos anos, mesmo muitos (contá-los far-me-ia sentir velha e escuso-me a esse embaraço), li Os Passos Perdidos, de Alejo Carpentier, que ainda consigo recordar em que lugar da estante se encontrava na casa dos meus pais. Mas, estupidamente, tinha-me esquecido de como este cubano escreve primorosamente, de como cada frase sua, cada parágrafo – às vezes longo, saboroso – é um presente para qualquer leitor digno desse nome. E digo isto porque, à procura de um outro livro, os meus olhos pousaram por acaso em Concerto Barroco, de Carpentier; e, dispondo de um meio dia para leituras não profissionais, logo me apropriei da novela que, por razões que nem eu própria compreendo, nunca me tinha passado pelos olhos (na verdade, nem a tinha, ganhei-a com o casamento – e o dote que o Manel trouxe tem muitas prendas destas). Pois, se a encontrarem à venda (eu sei que não é fácil), não a percam: é daqueles pequenos livros enormes! E tem como protagonista um mexicano (o «índio») que, em viagem à Europa, mais concretamente a Veneza durante o Carnaval, se mascara de Montezuma, o derrotado imperador dos Aztecas, e passa uma noite inesquecível com Vivaldi, Scarlatti e Haendel, além de com o seu criado negro que é uma espécie de improvisador de jazz avant la lettre. Anacronismos à parte – ou não, porque eles são parte integrante do enredo –, esta é uma história de como o Novo Mundo nunca foi bem compreendido pelo Velho Continente e de como as revoluções – como a cubana – são fundamentais para que certas coisas possam mudar. Procurem este Concerto Barroco e deixem-se, por favor, desconcertar.