O que ando a ler
Há livros em excesso (e quase nunca bons) sobre cãezinhos e gatinhos (e não estou a falar de literatura infantil, entenda-se); mas, quando o animal de estimação da história é outro (um burro como em Platero e Eu, por exemplo), é bem provável que o resultado seja melhor e mais agradável para todos. É-o seguramente no caso deste estupendo A de Açor, um livro da britânica Helen Macdonald difícil de classificar, que vendeu como pãezinhos quentes no Reino Unido e recebeu críticas altamente elogiosas em todos os países em que foi traduzido e publicado, além de prémios de monta, como o Samuel Johnson para não-ficção. Gostar de aves de rapina não é para todos, bem sei (e o açor é uma ave de rapina), mas não se assustem os leitores com as garras e os bicos aguçados do animal: esta não é obra que meta medo a ninguém e o açor só é o herói porque, na verdade, desempenha também o papel de uma espécie de pomba da paz, é o que permite à autora fazer o luto insuportável pela morte do pai, o seu grande companheiro desde criança. Helen Macdonald, historiadora, poeta, falcoeira, partilhava com o pai o amor às aves, mas precisou da mais indomável das criaturas aladas para aceitar e resolver finalmente a solidão, a dor e a perda. E nós, ao seu lado, lendo também os livros que retira da estante sobre açores e falcoaria (e ficando a conhecer muito especialmente o senhor White, figura que daria ela própria um livro fascinante), perceberemos o que faz de nós humanos, o que nos aproxima e afasta de um animal selvagem. Segundo alguém escreveu no New York Times, este é um livro que sangra. E vale muito a pena.