O que ando a ler
Como leio sobretudo livros inéditos – muitas vezes sou, de resto, a primeira a lê-los antes de os publicar – gosto de regressar regularmente aos clássicos para não dizer que me fui desta vida sem ler os autores que, afinal, já provaram tudo, resistindo as suas obras ao fim de anos e anos de terem sido escritas. Voltei agora, por isso, a Knut Hamsun, o norueguês que nasceu em 1859, foi aprendiz de sapateiro e ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1920, tendo morrido já depois dos noventa anos. Em Fome, um dos seus mais conhecidos livros (a par de Pan), o autor descreve os delírios de um escritor vagabundo e faminto pelas ruas da cidade que hoje se chama Oslo, falando consigo mesmo e com Deus, passando frio, dormindo às vezes ao relento, desejando roubar para comer mas sendo generoso quando tem meia coroa, aspirando por elogios dos directores dos jornais aos seus artigos mas aceitando cabisbaixo as suas recusas, desejando acima de tudo comer, mas quantas vezes desprezando a comida e achando-a repugnante. O tom é menos nórdico do que noutros livros mais recentes de autores destas paragens e fez-me lembrar Robert Walser e outros autores da Europa Central. É um tour de force absolutamente magnífico, pois aguenta-se do princípio ao fim com muito poucos recursos, sem uma história, a prosa vagabundeando como o protagonista sem nunca cair no monólogo chato, antes num diálogo do eu com o eu que é verdadeiramente sublime e tocante. A edição da Cavalo de Ferro é a primeira traduzida directamente do norueguês e tem, além disso, um prefácio do norte-americano Paul Auster. Leiam, leiam.