O que ando a ler
Ora então sejam bem-vindos ao Horas Extraordinárias neste ano novo, depois de umas pequenas férias muito soalheiras e repousantes (pelo menos, para mim) e provavelmente uns quilitos a mais e uns quantos livros lidos. Como hoje é o primeiro dia útil do mês, cabe-me de resto falar do que ando a ler – e por acaso leio um romance bem bom, de Isabela Figueiredo, de quem já tinha lido o Caderno de Memórias Coloniais (acho que terei falado dele aqui no blogue). A obra que tenho em mãos – A Gorda – é realmente impactante, e basta a primeira página para nos agarrar. Contada na primeira pessoa, num tom que é bastante cru e não isento de um inteligente cinismo, a história começa por referir a perda de 40 quilos de Maria Luísa numa gastrectomia (essa operação que diminui o estômago) dois anos depois da morte da mãe, levando-nos então de volta à sua infância e adolescência, com e sem os pais, e aos dramas por que passam as gordas nessas idades, mas sem nada de patético ou lamecha, até porque Maria Luísa nunca se verga. Original é também a forma como a autora nos apresenta os vários episódios da vida da protagonista, dividindo os capítulos do seu romance em partes de uma casa – a Porta de Entrada, O Quarto de Solteira, a Sala de Estar… –, lugares que lhe servem para relatar momentos fundamentais da vida da «gorda» e que podem estar relacionados com os hábitos dos bairros suburbanos, com as memórias da vida colonial, com a iniciação amorosa, com a escrita de correspondência e não só. Numa prosa intensa, às vezes desarmante (aplaudo as descrições das cenas de sexo que, na literatura portuguesa, costumam resvalar frequentemente para o mau gosto), este é um livro mesmo muito bom que ninguém deve deixar de ler. Para magros, gordos e assim-assim.