O que ando a ler
Por razões que não importa aqui particularizar, estou a reler os Contos de Eça de Queirós. Passaram muitos anos desde que os li na adolescência (desses tempos, lembrava-me sobretudo de «O suave milagre» e «Civilização», um conto que constituiu o esboço do romance A Cidade e as Serras e tem Jacinto como protagonista) e quase quarenta anos desde que estudei com maior detalhe o conto «José Matias» na Faculdade de Letras de Lisboa, na cadeira de Introdução aos Estudos Literários, ministrada por uma professora que faltava imenso e que depois nos obrigava a ter aulas ao sábado (estávamos em 1978, ainda em jeito de revolução). Já não tinha, porém, ideia de que os Contos fossem realmente tão diferentes dos romances em termos estilísticos: mais lineares no enredo, com menos pormenores, muito directos ao assunto e, sobretudo, sem a evidência daquelas características que nos habituámos a apreciar na obra romanesca queirosiana: o humor cáustico, o sentido de observação implacável e a crítica à sociedade portuguesa. Contudo, é o próprio Eça, num prefácio, que explica o que para ele é o conto: «No conto tudo precisa de ser apontado num risco leve e sóbrio: das figuras deve-se ver apenas a linha flagrante e definidora que revela e fixa uma personalidade; dos sentimentos, apenas o que caiba num olhar, ou numa dessas palavras que escapa dos lábios e traz todo o ser; da paisagem somente os longes, numa cor unida.» Fantásticas imagens. Eça agora e sempre.