O que ando a ler
Volto a falar de um livro que já aqui mencionei aquando da atribuição do Man Booker Prize do ano passado, mas ainda não tinha lido: Lincoln no Bardo, de George Saunders, o escritor norte-americano celebrizado pelas suas short-stories que se atreveu ao romance e arrecadou logo na estreia um prémio de peso. Com razão. Lincoln no Bardo (o título estranha-se mas depois entranha-se) é uma peça literária excepcional, um exercício que apela ao teatro e seus coros (quase tudo são, afinal, falas, exactamente como num texto dramático para ser dito em palco) e, simultaneamente, à citação (prática tão querida aos anglo-saxónicos, que têm dicionários de quotations a propósito de tudo), mas que aqui se refere a livros de testemunho e crónica social (inventados, diria eu, apesar da versomilhança dos títulos e autores) que servem, juntamente com as referidas falas, para nos contar a história central: a de que o presidente Lincoln, na mesma noite em que dava uma festa de arromba, perdeu um filho pequeno que amava profundamente. Por não estarem na terra natal, é emprestado provisoriamente ao presidente lugar num jazigo para o túmulo da criança; e é aí que vamos encontrar Abraham Lincoln visitando o seu menino, tirando-o do caixão, abraçando-o, falando-lhe em silêncio e chorando amargamente. E é aí também que os habitantes desse cemitério, uns espíritos melhores do que outros (mas três principalmente - e um deles, o reverendo Everly Thomas, talvez nem espírito seja...) irão tentar de tudo para que o pequeno Willie saia daquele lugar que, enfim, não é um bom lugar para uma criança. Para isso, porém, é preciso que o pai volte e o leve com ele, mesmo sem o saber que o leva quando partir. Belíssimo, estranho, musical - com um coro de vozes que captam imediatamente a nossa simpatia-empatia, recomendo vivamente e quase me penalizo por ter esperado tanto tempo para o começar.