O que ando a ler
Não vale a pena esconder o meu gosto especial por Barnes, pois volta e meia cá venho eu falar de um dos seus livros, e sempre com o maior entusiasmo. Desta feita, aliás, já o referi de forma evasiva em dois posts da semana passada, um deles em que contei que andava a ler um livro sobre a morte que contava histórias dos últimos momentos de uns quantos autores, entre eles o malogrado Somerset Maugham, que acabou mal; o outro em que referi a ausência de epitáfio na campa dos irmãos Goncourt. Pois tudo isso foi lido na maravilha que é Nada a Temer, do querido Barnes, um autor que gosta muito de escrever sobre a morte (Os Níveis da Vida, O Papagaio de Flaubert são outros títulos que olham para ela, embora de maneiras diferentes). Porém, Nada a Temer é exclusivamente uma reflexão sobre a morte, a mortalidade, Deus, o que vem (ou não) depois de morrermos, o aborrecimento do acabar, os tempos sinistros que precedem o culminar da vida, quem tem medo da morte e quem, por sua vez, parece que não tem «nada a temer». Mas, para falar de tudo isso, Barnes tem um humor impagável que põe a nu episódios hilariantes que envolvem avós e pais, os amigos, os confrades e sobretudo o seu irmão filósofo, que espera ser enterrado no jardim de casa e fertilizá-lo. E está cheio de pequenas histórias deliciosas sobre escritores e artistas, como a de Rabelais (o autor de Pantagruel) que, no seu leito de morte, se despede dizendo: «Vou em busca do Grande Talvez.» Não percam. Fartei-me de marcar passagens memoráveis, eu, que raramente sublinho livros. É a minha recomendação para hoje. Nada a Temer, traduzido por Helena Cardoso para a Quetzal numa reedição muito recente.