O que nos torna escritores
Estive no segundo fim-de-semana do FOLIO em Óbidos em diversas actividades, entre elas a conversa entre Pilar Quintana e Bernardine Evaristo sobre emancipação. Mas, se esta última escritora foi bastante militante e previsível (o que não lhe retira o interesse, atenção), creio que Pilar supreendeu pela leveza com que falou do assunto, partindo da sua própria vida. Escrevia histórias, contou, desde criança, mas percebeu cedo que não poderia viver da escrita na Colômbia; decidiu então fazer o curso de jornalismo por achar que era, apesar de tudo, o mais parecido com escrever. Infelizmente, depressa chegou à conclusão de que não queria narrar factos, mas inventá-los. Resolveu, pois, escrever o seu primeiro romance e mandou-o a várias editoras. Porém, como ia estar fora, foi a morada da mãe que deu para o caso de vir uma resposta de alguma editora. Ora, como era natural na época, os editores que recusaram o livro devolveram com a carta de recusa os originais recebidos; e, intrigada com tanto envelope gordo para a filha, a mãe de Pilar não resistiu e foi bisbilhotar de que se tratava. Quando regressou da viagem, PIlar nem se importou muito com as tampas que levou, porque, quando a mãe lhe disse «Uma rapariga decente não escreve estas coisas!», compreendeu que, apesar de ainda não atingido o livro perfeito, já era uma escritora.