O vão regresso
Não se ganha o Nobel da Literatura só porque sim – tem de haver nas obras do vencedor algo de francamente original e inovador (como agora se diz a torto e a direito, «fracturante»). Foi o que senti ao pôr os olhos no romance de estreia de Faulkner, A Recompensa do Soldado, um livro de 1926 que ainda hoje, apesar de algumas fragilidades, permanece moderno e deixa adivinhar a tal fractura que deve ter representado na época, com os seus jorros enérgicos de frases estranhas e inesperadas. O assunto é, grosso modo, o regresso de um soldado americano (o tenente Mahon) da Primeira Guerra Mundial – diminuído, cego, com uma terrível cicatriz na testa que o desfigura e mentalmente perturbado (e, curiosamente, ainda há quem tenha inveja do senhor por, ao contrário dele, ter voltado incólume, sem qualquer marca de heroísmo). Acompanham-no a casa dois «pajens» – a viúva de um outro soldado (mas só foi casada três dias, pelo que o desgosto não é significativo) e Gilligan, o cabo que se encarrega de trazer Mahon ao lar paterno (até porque é o único que parece não ter aonde regressar). Em casa, o pastor que é progenitor do soldado ferido – e que o julgava morto – não acredita que ele não possa recuperar e aposta tudo no casamento de Mahon com a noiva que tinha antes da guerra (que, além de estar já apaixonada por outro, não consegue enfrentar a ferida horrível do ex-namorado e anda literalmente maluca, sem saber o que fazer). Mas muita água correrá ao longo do romance – e vários são os intervenientes que se darão a conhecer na sua relação com o morto-vivo, o passado e até o futuro, numa narrativa que é sempre pujante e surpreendente. Em tempo de centenário da chamada Grande Guerra, não há como fugir à recompensa desta leitura.