Os nossos pais
Os meus pais foram bastante liberais para a época e nunca chatos nem bota-de-elástico, embora nem sempre tenha sido fácil ser filha deles (tinham o seu feitio, enfim). Muitas vezes me têm pedido que escreva sobre esse duo, principalmente depois de tê-lo feito num texto que li nas Correntes d’Escritas há uns anos e de o fazer de passagem nas minhas crónicas. Mas sempre senti que teria de encontrar o tom certo para isso, tal como o encontrou Richard Ford ao escrever Entre Eles: Recordando os Meus Pais, um livro que reúne dois relatos escritos com quase trinta anos de intervalo: o primeiro pouco depois da morte da mãe (que chegou a ter uma publicação independente em vários países) e o segundo bastante mais recentemente, cujo protagonista é o pai, que morreu à frente do escritor tinha ele dezasseis anos. Este texto sobre o pai é, ainda assim, um texto sobre o casal, a forma como se conheceram, a sua paixão, a sua vida a dois pelas estradas da América profunda (o Ford pai era caixeiro-viajante) e a forma como o filho, que veio ao mundo quando já ninguém estava à espera, revolucionou a vida desse par, obrigando-o a regras que nunca tivera e até à decisão de ter um lar algures, coisa com a qual Edna e Parker nunca tinham estado muito preocupados. Um livro belíssimo sobre os laços familiares de um tipo que não me importava de escrever sobre os meus pais. Recomendo-o sem reservas a todos os leitores. A tradução é de Tânia Ganho.