Hoje era dia de palavras e expressões em desuso, mas a verdade é que andei a vasculhar uma palavra só e é essa que trago para a vossa extraordinária leitura. Pois bem, trata-se de «antipático», uma qualidade que não chega a sê-lo e faz de quem a tem alguém longe de nós. A palavra «antipatia» deriva do grego «antpathéia», criada pelo prefixo «anti», que não vou explicar o que significa porque todos sabem, e por uma palavra que ainda hoje uso muito, «pathos»; ora este pathos (que falta a tanta coisa que leio diariamente no trabalho) utilizo-o eu como qualquer coisa capaz de gerar ou evocar emoções; mas li algures que este sentido mais lato só lhe é, efectivamente, atribuído desde Descartes, pois antes disso o pathos era o que estimulava uma emoção, sim, mas triste, sobretudo de pena e compaixão (e daí o «patético» que, ao contrário do que muitos julgam, não tem que ver com nada apatetado na acepção de tonto, mas com algo digno de pena – claro que os patetas são dignos dela também). O antipático é, assim, aquele que tem feição contrária à minha, que sente de maneira oposta, fazendo do simpático o que sente como eu (em inglês sympathetic é solidário) e do apático o que não sente, pura e simplesmente. Mas este pathos mais antigo, ligado ao sofrimento, é curiosamente também a raiz da palavra «patologia» que hoje associamos à doença. A doença é, pois, coisa triste, sofrida e digna de pena, o que, de resto, faz todo o sentido; e, em última análise, também um grande sofrimento moral pode tornar-se uma doença, o que, aliás, Freud já sabia muito antes desta época em que a depressão é frequentemente tratada com químicos, tal como a gripe ou a diabetes. Isto para dizer que, quando encontrarem alguém antipático, essa pessoa, mesmo que em sofrimento, não vos vai parecer digna de pena…
2 comentários
António Luiz Pacheco 15.12.2014
Plenamente de acordo!
O Povo Português é acolhedor, solidário na desgraça, hospitaleiro... o que são componentes da simpatia!
Mas, sim, falta-lhe alegria... que é o ingrediente preponderante, e por vermos as pessoas preocupadas, cabisbaixas, entristecidas, podemos ser levados a considerá-las antipáticas!
Vejamos, indo a uma feira ou mercado onde se oiça o Tony Carreira e a Rute Marlene, os pregões e as exclamações, até palavrões, expressões da vivacidade e alguma alegria (Mário de carvalho me perdoe a cacofonia), temos uma imagem... pode ser modificada a qualquer momento pela investida do corpo de intervenção e da ASAE, o que preocupa e portanto limita a alegria das gentes!
Outro cenário: o Colombo, ouvindo-se como fundo uma musicata natalícia bem mais foleira que o Emnuel! Gente alegre? Nada... gente a andar à pressa, só ou aos pares, em grupo ou família, mas apenas olhando, não parecem vivos... o bruá que se ouve nem é de vozes é do movimento, um raspar e soar de sacos de papel ou plástico. Gente triste, sim... lá se vê algum com ar emproado de quem tem dinheiro para gastar e o apregoa no erguer da cabeça e nariz apontado para a frente, mas nem esse tem ar feliz, e simpatia nenhuma certamente...
Na feira/mercado somos saudados pelo vendilhão ou tendeiro com palavras de incentivo, uma graçola, uma frase picaresca. Estabelece-se através do regateio uma corrente humana, de simpatia: - "Ai meu senhor, leve essa que fica tão bem à sua senhora!" ; "Ó tiazinha... por este preço? Olhe que é para usar não é para pôr no banco!"; "Ai minha vida, olhe que a sua senhora é mai linda q'uma montra d'órives... ", etc.
No centro comercial, entramos na loja e somos friamente avaliados pelo nosso trajar e atitude... e se esta for favorável, atendidos com uma cortesia profissional mas fria, quem está ao balcão quase sempre acha que merecia melhor, não gosta do que está a fazer e sente-se diminuído, portanto trata logo de criar distância do cliente... usa-se um tom afectado, que presume elevação, mas não passam de caixeiros, com todo o respeito pela classe que já não se dá ao respeito...
É o nosso triste quadro...
Por isso, este ano porque com mais tempo, retomarei a tradição interrompida nos últimos Natais de ir fazer as minhas compras natalícias ao Rosal de la Frontera, onde invariávelmente encontrarei o infalível Emilio à porta da sua Casa Emilio, muito bem penteado, de blazer azul e lenço ao pescoço, que me atirará o seu eterno: Hola como estas? A mulher e as crianças (em português) como se um velho conhecido que não visse desde a semana passada. Claro que é um pretexto para ir comprar "puros" e "coñac" Lepanto ou Carlos V muito mais barato, um presunto, queijo manchego, moxama, e uma data de balangandãs daqueles que se oferecem sobretudo à cachopada... mais uma estada em Amareleja a provar o vinho novo e dar uns tiros às perdizes ou javardos, que o Miguel Pastilhas e o João Acabado já andam tratando disso... ah, e de caminho assisto a uma tertúlia com jantar do Clube Literário Cinegético e ao lançamento do romance "Beatriz", em Moura...
Assim cure a constipação, mas já tenho partida aprazada para próxima quinta-feira!
Haja alegria... e saúde!
Creio que é o que nos falta, alguma saúde colectiva por excesso de preocupações, pois nós sempre fomos um povo austero, preocupado com o porvir económico. Há que recuperar esse estado, e quem sabe se extintas as ASAE que nos oprimem hoje, não reencontraremos a alegria das feiras e retomaremos a simpatia expressa no fácies corado e redondo dos camponeses que somos, na vivacidade do tasqueiro, na brejeirice da tendeira, em vez da palidez macilenta do operário em que nos querem tornar, na fria eficiência do hoteleiro, e no distante atendimento do balconista.
Saudações de quem hoje não se recomenda, cá do Bairro Ribatejano!