Palestina
As cadeias de streaming como a Netflix e a HBO estão cheias de séries sobre a questão do Médio Oriente, quase todas americanas ou americanizadas, que nos dão uma visão talvez demasiado parcial do conflito (o árabe é quase sempre o terrorista e mau). Li também sobre o assunto nos livros de Amos Oz, David Grossman e outros escritores israelitas, muito menos tendenciosos e mais abertos à criação de um Estado palestiniano; mas caiu-me nas mãos pela primeira vez uma novela da escritora palestiniana Adania Shibli, intitulado Um Detalhe Menor (traduzido do árabe por Hugo Maia), que me deu uma perspectiva diferente e extremamente interessante sobre a expropriação em 1948 dos territórios palestinianos para a criação do Estado de Israel e as feridas que ardem até hoje por causa da ocupação de Gaza. A narradora vai atrás de uma história passada em 1949, que levou à violação colectiva e ao assassínio de uma adolescente que sobreviveu ao massacre de um grupo de beduínos não armados por militares israelitas. E veremos a história como que repetir-se muitos anos depois, quando uma jovem palestiniana sabe que esse episódio ocorreu exactamente vinte e cinco anos antes de ter nascido (eis o "detalhe menor") e resolve alugar um carro, pedir emprestado um cartão de identidade a alguém que pode sair da sua zona e ir investigar o crime ao "outro lado", esse lado onde se lê ainda num velho cartaz de 1939: "Não é o canhão que vencerá, é o homem." Que homem? Veremos neste belo e inquietante texto, em que é possível sentir o medo, o calor e a carne infectada pela mordedura do escorpião. O romance foi finalista do National Award e do Man Booker International Prize.