Paris inesquecível
Há uma canção que, quando a ouço, esteja onde estiver, pára tudo – e podem chamar-me pirosa, romântica ou lamechas, que não me importo. Chama-se La Bohème, gosto dela pela voz de Aznavour, e conta a história de um grupo de jovens artistas em Paris, esfomeados mas cheios de ideias, de convencimento e de paixão. Vistas bem as coisas, trata-se de uma canção que podia ter sido escrita (se ele estivesse para isso) pelo mesmo Hemingway que escreveu Paris É Uma Festa, um maravilhoso livro de memórias sobre a Paris onde viveu nos anos 1920, a começar a sua carreira como escritor, depois de ter servido na Primeira Guerra Mundial como condutor de ambulâncias (o que é descrito em O Adeus às Armas, mas ainda aparecem muitos ex-combatentes nestas páginas). A obra só foi publicada nos anos 1950, mas as recordações de Ernest, recém-casado e apaixonado pela escrita (apesar da fome e da falta de recursos para viver dela), permaneceram como se tivesse regressado da Cidade-Luz na véspera de as passar ao papel. E é maravilhoso saber dos seus encontros com Ezra Pound (a quem ensinou um pouco de boxe), James Joyce, Gertrude Stein (que surpreendeu num momento delicado) ou mesmo Ford Maddox Ford (o inglês que achava os americanos bastante grosseiros). Nunca tinha lido este Hemingway cheio de álcool, cafés e bares e quase o apreciei mais do que os seus romances, talvez por me trazer tantos escritores que li e estudei como pessoas, esquivas ou gentis. Não percam Paris É Uma Festa por nada deste mundo – e, se gostarem, entenderão ainda melhor o romantismo de La Bohème.