Perplexidade e horror
A propósito de uma crónica de Ana Sousa Dias no Diário de Notícias (ou, melhor, de uma não-crónica, pois foi sobre o que não escreveu que eu acabei por ir bisbilhotar), descobri uma história tão romanesca que tinha mesmo de se transformar em livro (que eu saiba, ainda não traduzido entre nós, mas pode ser que alguém se lembre disso). Sacha Batthyany, um jornalista húngaro, sabia que descendia de aristocratas e que tinha tido uma tia-avó condessa muito respeitada, mas, como vivia na Suíça desde pequeno, estava mais ou menos afastado desse ramo da família. Um dia, porém, uma colega do jornal mostrou-lhe uma história terrível que acabava de ser publicada – e fê-lo porque o apelido do jornalista era incomum e coincidia com o de uma das personagens envolvidas na reportagem. Tratava-se do relato de uma festa em 1945, pouco antes do fim da guerra, num castelo que pertencia à tia-avó do jornalista, em que, a seguir ao jantar, os convidados tinham assassinado 180 judeus que trabalhavam como escravos na propriedade... e a convite do amante da anfitriã. O jornalista ficou perplexo e horrorizado e decidiu tirar tudo a limpo. Começou por interrogar o pai – que sabia da história – e foi descobrindo que não só a maior parte da família estava a par desse baile que acabara em tragédia para os judeus, mas também alguns dos seus membros nem sequer reprovavam realmente o que acontecera. Decidiu então pedir uma licença no jornal, investigar apesar das pressões da família para não o fazer (a tia-avó, ao que parece, ajudara muita gente no final da guerra a fugir para a Suíça) e escrever um livro que, na versão inglesa, se chama A Crime in the Family e narra o terrível episódio que desencadeou tudo, mas também os entraves e todas as peripécias da investigação.