Personagens
Enquanto não há assuntos melhores, vamos então falando das categorias que animam a ficção narrativa. Ontem comentava-se a necessidade ou «dispensabilidade» da intervenção do narrador nos diálogos, hoje falemos de personagens. Reparo com frequência que nos cursos de Escrita Criativa ensinam (e bem) que as personagens têm de ser bem recortadas, não podem ter apenas duas dimensões (o que acontece muito nos livros dos principiantes) e que o comportamento deve ser consistente com o que delas foi dito. E quase de certeza fazem exercícios de descrição de personagens, quiçá um pouco exaustivos, o que como exercício até está bem, mas nem sempre funciona numa história. Estou a ler, por exemplo, um romance inglês em que a narradora está permanentemente a dizer como estão vestidas as personagens com que se vai encontrando; e, mesmo que isso ajude a que as integremos em determinado meio ou classe social ou e diga algo essencial do seu carácter, a mim, pronto, irrita-me tanta descrição. Às vezes, enviam-me originais nos quais se vê bem que os autores não entenderam o que era construir personagens com densidade; esforçam-se tanto nas descrições das suas figuras que acabam a ser ridículos, acrescentando até o peso e a altura. Enfim, os actos e as atitudes são o que fazem as personagens acima de tudo; para mim, a descrição é apenas mais uma coisa, e nem sempre a mais importante.
Um romance que fez furor há uns anos, A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón, tem uma deliciosa personagem, extremamente bem construída: Fermín Romero de Torres, um livreiro inesquecível. A tradução é de J. Teixeira de Aguilar.