Política e literatura
É conhecida a relação dos intelectuais com a política. Nas Correntes d'Escritas, este ano os temas das mesas eram quase sempre versos de canções daquelas a que em tempos chamámos «de intervenção», embora Sérgio Godinho (autor de pelo menos uma das canções escolhidas pela organização) não goste do termo. Talvez por isso (e porque este ano se comemora o 50º aniversário do 25 de Abril, houve sempre alguém que fez uma comunicação política, ora lembrando o «antes» da Revolução dos Cravos, ora chamando a atenção para o que aí vem e para a desilusão de quem sonhou, viu acontecer e agora está a assistir a uma espécie de desmontagem do sonho. Gonçalo Tavares falou disto e de uma nova geração que é profundamente racista, evocando e discutindo o termo «democracia». Mas o que mais me afligiu foi uma conversa em privado com um amigo que, por razões de trabalho, circula pelo mundo. Agora a viver na Jordânia, onde trabalham muitíssimos palestinianos que não podem visitar as famílias, ficou horrorizado quando percebeu que, nas imobiliárias, já se estavam a vender lotes de terreno em Gaza, junto ao mar, para construção de condomínios de luxo, contando com o desaparecimento total de palestinianos muito em breve. O imbatível horror. (Dizem-me em Portugal que é fake news a venda de terrenos à beira-mar, e talvez tenham razão, mas os civis mortos em Gaza chegam quase aos 30. 000, pelo que qualquer dia bem pode ser uma notícia verdadeira).