Quem cala consente
O título deste post é um provérbio português, quanto a mim bastante acertado. O olhar para o lado, fingir que não se vê, passar indiferente no meio do que corre mal, tudo isso são modos de consentimento. Num artigo de uma médica portuguesa que trabalha em Lesbos que li recentemente, tomei conhecimento de que está a agudizar-se a tragédia no campo de refugiados que ardeu e deixou muita gente a dormir na rua, porque não se faz nada, e o mesmo é dizer que todos estamos a consentir que isso aconteça. Consentimento é também o título de um livro de Vanessa Springora, que saiu recentemente pela Alfaguara. Interessa-me muito lê-lo (ainda não o fiz) porque conheço a história de Gabriel Matzneff, o escritor francês (hoje octogenário) que, ao longo de anos, andou a publicar nas melhores editoras francesas (que não viram nisso nada de estanho) livros em que elogiava o sexo com menores (um deles intitulado até Os Menores de Dezasseis). Vanessa Springora foi uma dessas adolescentes que, com catorze anos, passava as tardes na cama com Matzneff, enquanto os iluminados do Maio de 68 (Sartre e tudo) sabiam mas assobiavam para o lado ou achavam apenas fruto dos tempos modernos e abertos que viviam. Mas, anos depois, a mulher madura resolve olhar para trás e fala da sua experiência de fazer sexo oral em vez de lanchar com as amigas e de quantos consentiram nisso de diversas formas. E não se trata de um livro oportunista como tantos que agora surgem, sobretudo nos EUA (até porque ela própria consentiu na relação com Matzneff, que tinha na altura 50 anos, mais 35 do que ela), mas de um livro sobre o perigo justamente do fechar os olhos, calar... e consentir. A tradução é de Tânia Ganho.