Querido tempo
Disse um dia destes num daqueles questionários que todos os jornais publicam no Verão que gostaria de ter mais tempo para ler e escrever. Na verdade, vivo mergulhada o ano inteiro nos livros ainda não publicados de muita gente, e isso retira-me tempo (às vezes puramente mental) para, chegada a casa, ir escrever ou ler outras coisas. E muitas vezes pasmo como alguns escritores com empregos a tempo inteiro conseguem escrever livros quase todos os anos. Um dia, perguntei à mulher de um desses escritores se ele era dos que não dormiam, mas ela respondeu-me que ele dormia lindamente, só que não via televisão, não ia ao cinema, não saía praticamente ao fim-de-semana e, além disso, era capaz de escrever em qualquer lado, mesmo dentro do carro, enquanto ela fazia compras no supermercado. Será um caso atípico? Não sei. Ainda na sequência do post do Livrologia que ontem aqui referi, como é que um autor que trabalhou sempre tanto (e, ainda por cima, teve tantos filhos, que são outros trabalhos) como Jorge de Sena conseguiu produzir uma obra tão variada, vasta e consistente? Como é que Vergílio Ferreira, a dar aulas e a corrigir testes, nunca faltou com romances? Como é que médicos como Namora ou Torga têm obras vastíssimas? Cá para mim, é tudo uma questão de organização e de capacidade de não se dispersar (mas, claro, eles não tinham Internet e o mundo era então muito mais calmo). Querido tempo.