Releituras
Não tenho o hábito de reler o que escrevo depois de estar publicado – excepto, evidentemente, uma meia dúzia de poemas que soam bem em voz alta e repito na maioria das leituras ao vivo. Não sei, porém, como procedem os outros poetas: se se lêem com regularidade, se fazem como eu e acabam por se surpreender quando um dia encontram um texto seu que não se lembravam de ter escrito. Imagino que a tarefa seja, contudo, muito mais complicada para os romancistas. Não estou a ver um ficcionista ler um velho romance seu enquanto escreve um novo, mas, enfim, tudo é possível. Lembram-se de que há uns tempos Philip Roth disse que iria parar de escrever? Pois bem, enquanto não produziu obra literária, esteve a reler todos os romances que escreveu. Quase me apetece dizer: é obra! Num livro recente que colige a sua obra não ficcional – Why Write?, com entrevistas, discursos e artigos –, Roth, depois da releitura de O Complexo de Portnoy (escrito 45 anos antes), confessa que ficou simultaneamente chocado e contente com o que fez; chocado por ter sido na altura tão ousado, feliz por o livro o ter recordado disso mesmo. E, relativamente ao conjunto da obra ficcional, o balanço é afinal positivo: «Depois de acabar de a reler, concluo, fazendo eco das palavras de Joe Louis, um boxeur que é dos meus heróis: ‘Fiz o melhor que podia com o que tinha.’» Uma releitura que, pelos vistos, valeu a pena.