Santa ignorância
Desde que trabalho em edição e, sobretudo, desde que escrevi uma série de livros juvenis que, na altura, foi bastante popular e teve até adaptação televisiva, pedem-me frequentemente que vá a escolas ou publique textos em manuais escolares sobre o meu amor à literatura portuguesa e a minha paixão por certos autores que hoje, pelos vistos, são malqueridos pelos alunos. Falo, por exemplo, de Fernão Lopes ou Gil Vicente, que a miudagem acha muito difíceis, ou de Bocage, a que a juventude actual parece não achar graça. Muitos professores não sabem como motivar os estudantes para a beleza e a verve do texto de certos autores, e eu compreendo que seja difícil com tantas horas de jogos na Internet; mas de vez em quando também penso que a impossibilidade de transmitir a paixão por certos textos reside no facto de os próprios professores não gostarem deles ou, pior do que isso, não os conhecerem. Uma amiga francesa que ensinou durante muitos anos no Liceu Francês de Lisboa contou-me que, um dia, uma jovem professora de Português lhe perguntou se ela sabia a nacionalidade de Sophia de Mello Breyner Andresen, pois um dos alunos lhe tinha perguntado durante a aula e ela respondera que era inglesa, mas depois ficara a pensar se, afinal, não seria americana... Santa ignorância. E depois querem que os miúdos gostem de ler.