Segredos de família
Quando há trinta anos escrevi um romance, estava a fazer o luto da minha avó e foi a forma que encontrei na altura de sarar a ferida. Sei que muito do que lá está aconteceu com a minha família e comigo e não pensei um instante que isso seria um problema (e não foi). A minha jovem autora holandesa Marieke Lucas Rijneveld, cujo O Desassossego da Noite publiquei recentemente, disse, porém, numa entrevista ao The Guardian que a família não tinha querido ler o seu romance e que ela entendia porquê. (O livro começa com a morte do irmão da narradora, e a verdade é que Marieke perdeu um irmão num acidente, pelo que a história pode ter ressonâncias familiares). O norueguês Knausgard, ao falar da mulher e de toda a família em A Minha Luta, perdeu o casamento e a amizade de muitos parentes próximos. Já o escritor Eduardo Halfon, que há muito recupera nos seus romances histórias de família, especialmente aquelas de que ninguém falava em casa, contou uma história bonita a este respeito. Quando acabou Luto, que trata da morte misteriosa de um tio seu quando era criança, recebeu a visita do pai. Este, ao saber que Eduardo dedicara um livro a um assunto «probido», ficou tremendamente desapontado e disse que ninguém devia tornar público o que era privado. Mas o filho convenceu-o de que não era de modo nenhum um devassa da cena familiar, deu ao pai a possibilidade de ler o rascunho e dizer o que não gostava e ele leu-o e adorou. (Com outros romances sobre outras histórias que a família mantinha em segredo, a coisa já não correu tão bem, e há tios que até hoje não lhe falam.) Há famílias que dariam tudo para aparecerem imortalizadas num romance, mas também há sempre quem se zangue e não queira ser personagem de livro...