Tempo de ouvir
Lançar um livro novo neste cenário que hoje enfrentamos seria para qualquer escritor uma espécie de suicídio. As livrarias físicas estão todas fechadas e contar apenas com as virtuais seria provavelmente queimar para sempre a obra, já que, passada a pandemia e os perigos, essa não seria considerada novidade e afogar-se-ia no meio de tantas que já estarão em fila de espera, ansiosas por ocupar mesas e prateleiras. Mas lançar um livro novo em formato diferente do do papel já está a acontecer, e até Rodrigo Guedes de Carvalho tem o seu audiolivro do romance Margarida Espantada disponível para venda a quem o quiser ouvir (com a sua voz, reparem), o que pode ser uma experiência bem interessante. E, num tempo em que pensei que a tónica seria ler, multiplicam-se curiosamente as ofertas para ouvir textos e livros. A Casa Fernando Pessoa oferece um serviço para ler poemas ao telefone a quem ande longe das redes sociais (uma companhia bonita para quem esteja sozinho); a TSF tem uma rubrica («Com os livros estamos mais próximos») em que voluntários (eu ou qualquer dos Extraordinários podemos fazê-lo) gravam leituras de excertos de livros e põem-nas a circular (deixo-vos um link com Nuno Carmarneiro lendo uns parágrafos de Os Passos em Volta, de Herberto Helder, para verem como é); nas redes sociais, abundam vídeos de pessoas a ler os próprios livros ou textos alheios. Pode ser que, se se tomar o gosto a algum texto através do ouvido, se vá depois espreitá-lo com olhos de ler. Oxalá.
Hoje recomendo um livro de ciência muito bonito que se lê como um livro de aventuras e explica como depois de tantos desastres ainda cá andamos (os seres humanos). Chama-se em português A Vida É Bela e escreveu-o Stephen Jay Gould, um paleontólogo brilhante e com muito humor. Nos EUA de certeza existe audiolivro.